Me disseram “Você anda sumido” e me dei conta de que era
verdade. Eu também, fazia tempo que não me via. O que teria acontecido comigo?
Não me encontrava nos lugares em que costumava ir. Perguntava por mim e as
pessoas diziam “É verdade, você anda sumido”. E “Que fim levou você?” Eu não
tinha a menor ideia que fim tinha me levado. A última vez em que me vira fora,
deixa ver… Eu não me lembrava! Eu teria morrido? Impossível, na última vez em
que me vira eu estava bem. Não tinha, que eu soubesse, nenhum problema grave de
saúde. E, mesmo, eu teria visto o convite para o meu enterro no jornal. O nome
fatalmente me chamaria a atenção. Eu podia ter mudado de cidade. Era isso.
Podia ter ido para outro lugar, podia estar em outro lugar naquele momento. Mas
por que iria embora assim, sem dizer nada para ninguém, sem me despedir nem de
mim? Sempre fomos tão ligados. No outro dia fui a um lugar que eu costumava
frequentar muito e perguntei se tinham me visto. Não era gente conhecida,
precisei me descrever. Não foi difícil porque me usei como modelo. “Eu sou um
cara, assim, como eu. Mesma altura, tudo”. Não tinham me visto. Que coisa.
Pensei: como é que alguém pode simplesmente desaparecer desse jeito? Foi então
que comecei, confesso, a pensar nas vantagens de estar sumido. Não me encontrar
em lugar algum me dava uma espécie de liberdade. Podia fazer o que bem
entendesse, sem o risco de dar comigo e eu dizer “Você, hein?”. Mudei por
completo de comportamento. Me tornei - outro! Que maravilha. Agora, mesmo que
me encontrasse, eu não me reconheceria. Comecei a fazer coisas que até eu
duvidaria, se fosse eu. O que mais gostava de ouvir das pessoas espantadas com
a minha mudança era: “Nem parece você”. Claro que não parecia eu. Eu não era
eu. Eu era outro! Passei a me exceder, embriagado pela minha nova liberdade. A
verdade é que estar longe dos meus olhos me deixou fora de mim. Ou fora do
outro. E um dia ouvi uma mulher indignada com o meu assédio gritar “Você não se
enxerga, não?” E então, tive a revelação. Claro, era isso. Eu não estava
sumido. Eu simplesmente não me enxergava. Como podia me encontrar nos lugares
onde me procurava se não me enxergava? Todo aquele tempo eu estivera lá,
presente, embaixo, por assim dizer, do meu nariz, e não me vira. Por um lado,
fiquei aliviado. Eu estava vivo e bem, não precisava me preocupar. Por outro
lado, foi uma decepção. Concluí que não tem jeito, estamos sempre,
irremediavelmente, conosco, mesmo quando pensamos ter nos livrado de nós. A
gente não desaparece. A gente às vezes só não se enxerga.
—
|
Luís Fernando Veríssimo.
|